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30 dezembro 2008

Testemunho tremendo

E AINDA ESTOU AQUI...

Corria o ano de 1982. No auge dos meus 17 anos, lá estava eu, buscando servir a Deus, na Igreja Batista de Sumarezinho. Já havia sido professor de Escola Bíblica Dominical, presidente da União de Jovens, líder de juventude na associação de igrejas batistas da região oeste da capital, etc. Eu não era o melhor. Havia muitas outras pessoas melhores do que eu, mas, citando o poeta, "Havia gente bem melhor, mas o meu nome eu escutei..." E, se eu escutara o meu nome, nada mais importante para mim do que servir ao Senhor. Era estudante colegial à noite e auxiliar administrativo no BCN SERVEL de Alphaville, em Barueri, Grande São Paulo. Comecei ali como office-boy, e, digo sem pestanejar: foi a melhor fase da minha vida, em termos profissionais!

Contudo, era época de primavera. As rosas desabrochavam nos jardins, mas as chuvas da primavera traziam também alguns vírus, algumas enfermidades. A molecada contraiu catapora. Eu, que não era vacinado (no meu tempo de bebê não havia o remédio disponível), acabei por contraí-la. O médico da empresa deu-me uma semana de licença. "Que bom! Vou descansar!" Descansar? Como? Coçava tudo! Eu não parava de me coçar, tinha febre, e até a fome havia perdido, o que realmente denota uma enfermidade considerável para mim...

A semana passou rapidamente. Meu pai rumara para Salvador, para participar do Centenário dos Batistas Brasileiros. Fora com a Igreja Batista Betel, com o saudoso caravaneiro Pr. Silas Mello. Mamãe e meu irmão é que estavam em casa.

No dia marcado retornei. O médico, como de praxe, examinou-me detalhadamente. Ao usar o estetoscópio no meu peito, fez cara de suspense, ficou pálido e não parava de auscultar-me. Perguntei-lhe o que era. Ele nem respondeu. Preparou uma guia de internação para o ambulatório central. Gelei. Caro leitor, você também não ficaria atônito? Eu fiquei.

Liguei para a minha mãe, que rumou logo para a Vila Mariana. Eu fui de carro da empresa. Lá chegando, o outro médico me examinou. Imediatamente tomou o telefone na mão: ligou para uns quatro hospitais, gritando com os atendentes que me arrumassem uma vaga, porque era caso de vida ou morte. "Vida ou morte?!"

Por fim, corremos ao pronto socorro do Hospital São Joaquim, na Beneficência Portuguesa. O médico exigiu todos os exames novamente. Surgiu em mim a esperança de que fosse tudo um grande mal-entendido. Pedi à minha mãe que me preparasse aquele bife à milanesa para o jantar, porque tinha confiança de estar em casa à noite.

O médico, depois que obtivera o resultado dos exames, chegou de mansinho, colocou a mão no meu ombro e disse: "Está vendo aquela maca? Está vendo aquele soro? Está vendo aquele enfermeiro? É tudo para você. Suba, porque você será internado imediatamente na UTI."

Amigos, minha mãe, pobre mulher, começou a chorar desesperada. Os filhos eram toda a sua riqueza. Mulher sofrida, de corpo frágil pelas intempéries até então enfrentadas, agora ficara frente a frente com um destino devastador! O médico confidenciara-lhe que o meu caso era gravíssimo, provavelmente irreversível. A catapora havia infeccionado vários órgãos do meu corpo, principalmente o coração. Não sabiam bem o que fazer, mas iriam tentar de tudo. Incentivou-a, porém, a deixar as documentações em ordem, a verificar preço para caixão, as formalidades de sepultamento, etc. "Minha senhora, talvez ele não passe desta noite".

Eu, deitado naquela maca, imaginava um jeito de fugir dali. Detestava hospitais, morria de medo de injeções, tinha ânsia de vômito com o cheiro forte de éter, estava no lugar onde eu realmente não queria estar.

O elevador demorava a chegar. Quando chegou, o enfermeiro gritou com a ascensorista, dizendo: "Você quer que o moleque morra no elevador?" Pensei: "Meu Deus, o que estará acontecendo?" Ao chegar, obrigaram-me a me despir. Fim do meu sonho de fuga! Fugir nu era demais para mim. Resignadamente e à força, submeti-me ao hospital. Logo me colocaram um soro, deram-me umas seis injeções doloridas, rasparam o meu peito, ligaram eletrodos, três máquinas com o mapeamento do meu coração, cérebro e outras funções. Enfim, virei um autêntico "ROBOCOP" enferrujado... Logo o companheiro do lado veio a falecer - minha primeira experiência dura com a morte! Vi várias ali. Escutei gritos aterrorizantes, de pessoas que desciam da cirurgia, que não suportavam a dor da enfermidade, e que partiam deste mundo cheias de sofrimento. Logo depois me transferiram para um quarto isolado, pois eu era uma ameaça à saúde de todos: estava convalescendo da varicela...

Lá fora, minha mãe tentava encontrar forças para voltar para casa. Ligou para a Mocidade da igreja, que correu ao hospital, visando receber informações, boletins médicos, etc. Meu pai foi notificado e estaria voltando assim que fosse possível. O pastor da igreja também estava em Salvador. Segundo minha mãe, foi uma noite não dormida, foi uma noite de vigília. No domingo, segundo dia de UTC - UTI, o médico de nossa igreja foi visitar-me. Ao falar com a junta médica, ao reunir-se com a equipe, muniu-se de informações preciosas. Seu testemunho no culto da noite em nossa igreja foi: "Irmãos, eu sou médico, falarei como profissional da medicina. Nosso irmão Wagner está com uma enfermidade terrível. Só um milagre poderá tirá-lo de lá. Oremos para que ele parta em paz e que Deus console a família". Comoção geral.

O meu coração batia sem ritmo. Parava um pouco, batia um pouco, semelhante aquele comercial de companhia aérea, onde diziam "viaja um pouquinho, descansa um pouquinho, etc." Numa das passagens de turno médico, (eu não dormi um minuto dos 3 dias e meio de UTC - UTI), os médicos disseram: "Às três horas ele teve princípio de infarto; às 5 ele foi socorrido com medicamentos por ameaça de derrame, etc". Enquanto diziam isso, o meu coração disparou. Perceberam que estavam falando muito alto e que eu estava ouvindo.

"Acho que vou morrer". Foi a conclusão a que cheguei. Naqueles três dias fiquei amarrado a quatro enfermeiras, cada uma com um turno de 6 horas. Elas eram as únicas pessoas com quem eu podia conversar. Em sendo JESUS o meu grande assunto, acabei por contar toda a história da criação, a formação do povo de Deus, os reis, os profetas, o ministério de Cristo, os atos dos apóstolos, as profecias do fim do mundo, etc. Acredito piamente que, se eu ficasse um pouco mais ali, as enfermeiras é que precisariam ser internadas. Elas não me suportavam mais! Mas o que é que eu podia fazer? A boca fala do que o coração está cheio, e eu tinha que lhes falar como estava feliz por ter Jesus no meu coração!

Fiz uma oração. Lembro-me dela, porque foi um verdadeiro "a.C./d.C." na minha vida. Eu disse:

"Senhor, eu acho que vou morrer hoje. Talvez amanhã, não tenho bem certeza, mas as coisas estão muito difíceis. Quero agradecer-te pelos 17 anos que vivi. Senhor, quantas coisas eu pude fazer! Estudei, brinquei, chorei, apanhei, conheci lugares, me converti, trabalhei na igreja, falei de Jesus, foi muita coisa boa. Muito obrigado. Quero que o Senhor me perdoe as faltas que me são ocultas. Mas gostaria de pedir-te uma coisa: gostaria de não morrer. É possível, Senhor? Bem, se o Senhor achar que é, então eu farei uma coisa, quando sair daqui: serei pastor. Não estou chantageando a ti, ó, Deus. É uma oferta de gratidão. Terei prazer em fazê-la. Em nome de Jesus. Amém."

Acalmei o coração. Nessa hora entrou na UTC o Dr. Hugo, um venezuelano. Levaram-me de cadeira de rodas à sala de um moderno equipamento recém-instalado no hospital, um tal de "ultra-som". Eu já não andava mais. Colocado em outra cama, recebi aquela dose generosa de gosma pelo peito. O médico começou a apertar uma espécie de microfone na gosma espalhada, e via um monte de chuviscos num monitor ligado ao equipamento. Enquanto ele passava a máquina em mim, uma listagem saia do computador. Quando ele leu a listagem, saiu correndo no corredor, gritando: "Potássio! Potássio!" Logo uma enfermeira, junto com ele, trouxe outro soro. Arrancaram o que estava em mim e puseram o novo. Quando o líqüido correu a minha veia, eu gritei no corredor. O médico mandou adicionarem xilocaína, mas, de forma alguma deixassem de me injetar aquela substância.

A igreja orava. O povo clamava a Deus. Meu pai e o pastor chegavam de viagem. A mocidade estava triste, apreensiva, aguardando nas misericórdias do Senhor, que são a causa de não sermos consumidos.

Após dois vidros de soro e umas 3 horas depois do início do processo, o meu coração foi ganhando ritmo, ganhando nova vida, entrando na normalidade, e eu fui sentindo sono, um gostoso estado de sonolência benfazeja. Quando acordei, estava num quarto. Era o sexto andar da ala nova do hospital. Eu tivera melhora. Deus ouvira as orações, em especial a minha, que era o maior interessado no assunto. Ele concordara com o oferecimento que fizera. Seláramos um acordo com aquela dedicação. Foram mais nove dias de hospital. Fiquei sabendo do meu problema: eu nascera com uma grave disfunção genética, má formação. O nome das enfermidades que eu tivera: miocardite, endocardite, taquicardia crônica, prolapso da válvula mitral, ausência generalizada de potássio no sangue. Não sou médico, não entendo disso, mas sei que eu deveria estar morto, à luz das estatísticas. Mas estou aqui, vivo para a glória de Deus. Bendito seja o Senhor, o médico dos médicos, doutor dos doutores, que tudo faz como lhe apraz!

Os nove dias de quarto normal foram inesquecíveis. Os enfermeiros marcavam em seus relógios o horário das 22 horas. Vinham uns 15 no meu quarto. Lá eu pregava num culto improvisado e só eu e outros três cantávamos, porque os outros nada sabiam. Dos três que cantavam, dois eram desviados do Evangelho e só um era crente fiel. Ao final, bendito seja Deus, oito decisões ao lado de Cristo. Aleluia! Cheguei acompanhar a história de alguns deles.

Setembro de 1982. Dezembro de 2001. Estou há 19 anos vivendo um tempo extra. Cresci (e engordei também...). Tive recaídas, tenho crises de quando em quando, tomo 18 comprimidos diários, faço acompanhamento, mas, quem me vê, é incapaz de dizer: "ele é doente". Exceto pelos exercícios físicos, dos quais sou proibido, levo uma vida absolutamente normal. E por que? Porque Deus quis assim.

E eu sou pastor. Ó, inaudita felicidade, pude cumprir a minha parte da oração! É claro, eu já pensava nisso desde os 14 anos, mas ali foi o meu chamado absoluto! E aqui estou, com 10 anos de caminhada pastoral.

O futuro? O futuro para mim é Cristo. O passado? Dias inesquecíveis com o Senhor. O presente? Bem, o presente eu posso construir. A nossa vida é a colheita do que semeamos. Quero continuar semeando boas sementes. Tenho certeza de que elas produzirão muitos frutos. E eu ficarei feliz em ver que não atravessei a vida em vão. Quero viver cada dia no centro da vontade do meu Pai celestial.

Glórias, pois, a Ele.

E obrigado pela paciência, dileto leitor. Obrigado pela leitura.

Pr. Wagner Antonio de Araújo,

Igreja Batista Boas Novas, Osasco, SP.

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